UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
DEPARTAMENTO DE ARQUITETURA E URBANISMO
CENTRO TECNOLÓGICO
GEMURB – GRUPO DE ESTUDO DA MOBILIDADE URBANA
CONSIDERAÇÕES SOBRE OS IMPACTOS VIÁRIOS E URBANÍSTICOS DO
ANEL VIÁRIO DO MORRO DA CRUZ – O TRECHO NORTE DA BEIRA MAR NORTE
Florianópolis, 10 de maio de 2015
CONSIDERAÇÃO INICIAL
A Via de Contorno Norte Ilha, (antiga Av. Beira Mar Norte), a primeira via expressa dos municípios conurbados de Florianópolis, executada entre 1977 e 1981, foi o início do Anel Viário, hoje em fase de projeto, agora com o sistema de faixas exclusivas para transporte público, do qual se conhece somente alguns desenhos publicados pela imprensa local.
A construção desta via tem tido, desde então, um papel estruturador do crescimento urbano, não somente do sistema de circulação de veículos na Ilha de Santa Catarina, ao ligar a Ponte Colombo Sales (1975) ao Norte e Leste da Ilha, mas na configuração da expansão urbana por todo o município de Florianópolis-Ilha, determinando as mudanças na ocupação do solo, as prioridades dos investimentos públicos e privados, bem como as segregações e exclusões sociais.
Sua função urbana esteve sempre ligada ao atendimento e adequação à política nacional de desenvolvimento da indústria automobilística que dominou o mercado produtivo brasileiro a partir da década de 60 até os dias atuais, privilegiando o sistema de transporte individual e rodoviarista.
“As diversas intervenções rodoviaristas, no período, fundamentaram-se nas propostas de um plano urbano – o Plano de Desenvolvimento Integrado da Área Metropolitana de Florianópolis- elaborado no período de 1969 – 1971… vivia-se no país o período mais duro da ditadura militar, instalada em 1964” (Sugai, M. I., 2015).
Hoje, quase 38 anos após o início da sua implantação, a Av. de Contorno Norte-Ilha, recebe um novo investimento do Poder Público, agora com um projeto para fechamento do anel viário no entorno do Maciço Central da cidade. Contudo, apesar das enormes mudanças sociais ocorridas no país em todos os campos da atividade social nas últimas décadas, com o crescimento econômico, com a abertura democrática, com as grandes mudanças constitucionais, com as determinações legais do Estatuto da Cidade (Lei no. 10257 de 2001), com a nova Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei no. 12587 de 2012), com o novo Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência e, bem recentemente, com o Estatuto da Metrópole, o planejamento da cidade de Florianópolis parece continuar seguindo a
mesma lógica do período da ditadura militar, autoritária, excludente, rodoviarista, segregacionista e não participativa.
É tal o mistério que se faz deste projeto, que não se pode conceber nos dias atuais, que nem mesmo órgãos públicos de planejamento municipal, universidades, órgãos federais, como o SPU, MPF, enfim, a população da cidade, desconheçam o que está sendo projetado e como estão sendo aplicados os recursos públicos deste projeto. Sabe-se apenas que o projeto está sendo elaborado por uma empresa privada, a PROSUL, e que na ampliação da via está sendo contemplado um corredor de ônibus e alguns trechos de ciclovia, desconhecendo-se, porém, dentre outros aspectos, que tipo de corredor, qual o sistema de transporte (divulga-se que é BRT, mas há outros informes contraditórios) equais as conexões modais vai contemplar.
É preciso que a população acompanhe de perto o desenvolvimento deste projeto. O controle social, como prevê a legislação atual, é uma dos pontos fundamentais para dar sustentabilidade a este investimento público de grande monta, como estabelecem as legislações recentes de âmbito federal, anteriormente mencionadas.
QUESTIONAMENTOS
Assim, o GEMURB, atendendo a uma solicitação dos movimentos sociais, que questionam as obras já iniciadas e, considerando que a sociedade desconhece as particularidades do projeto, vem a público levantar as seguintes considerações sobre a construção do Anel Viário do Morro da Cruz e seus impactos urbanos e sociais:
1. O projeto está sendo desenvolvido pela empresa PROSUL.
* Houve licitação do projeto?
* Qual a origem dos recursos para elaboração do projeto?
* Qual a data do início do contrato?
* Qual o prazo para elaboração do projeto e quando serão divulgados os resultados deste trabalho?
* Qual o cronograma físico-financeiro do projeto?
* Qual a capacidade técnica da empresa PROSUL para desenvolver projetos desse porte?
* Qual o quadro de técnicos da PROSUL à disposição do projeto?
* Qual o valor contratado para o desenvolvimento do projeto?
* O Contrato prevê o levantamento e análise de Origem e Destino que justifiquem a ampliação e a duplicação da Via?
2. Recentemente foi desenvolvido pelo governo do Estado o PLAMUS (Plano de Desenvolvimento Sustentável da Grande Florianópolis), porém ainda não publicado oficialmente.
* O projeto do Anel Viário da avenida está integrado ao PLAMUS da Região Metropolitana?
* O projeto considerou toda a base de dados do diagnóstico metropolitano do PLAMUS?
3. O Fórum da Cidade – Organização Popular e Social de Florianópolis, em relatório produzido em dezembro de 2014, afirma:“Cidades justas, humanizadas, e democráticas, requerem o planejamento, a gestão participativa e a definição de políticas públicas que levem ao fim das desigualdades sociais, da segregação de indivíduos ou classes sociais. Portanto, planejar cidades sustentáveis, exige a rejeição por completo da segregação socioespacial, da discriminação, da privação à moradia, à educação, à saúde, à infraestrutura urbana e, mais especificamente, da privação dos meios de transportes coletivos de qualidade que impeçam ou penalizem a mobilidade das pessoas. Estes fatores devem se apresentar como parâmetros básicos para o planejamento sustentável das cidades”.
* O poder executivo, ao contratar o projeto do Anel Viário, e ao iniciar as obras, vem considerando estes fatores e respeitando a legislação pertinente, citada acima?
* A obra do Anel Viário da forma como está concebida, pode se dizer sustentável? Haverá ganhos para toda a população usuária de transporte público, independente de suas categorias sociais? E se o for, em que prazos esta meta será atingida?
* O Anel Viário atenderá prioritariamente as populações carentes de transportes que habitam os bairros das encostas do Maciço Central da Ilha, conforme preconizam o Estatuto da Cidade e a Política Nacional de Mobilidade Urbana?
* Os custos tarifários do “corredor de ônibus” ou do BRT, serão compatíveis com o poder aquisitivo da população usuária e com as necessidades de mobilidade para o trabalho, educação, saúde, lazer?
4. Um projeto deste porte, em qualquer cidade, impacta de diversas formas a população, o meio ambiente, a mobilidade urbana, a saúde, a educação, a moradia, etc.
* Foram feitos estudos para estabelecer como a ampliação da Via de Contorno Norte influenciará a vida da população da cidade?
* O aumento do fluxo de veículos motorizados dificultará o acesso dos moradores, às suas casas, aos passeios, às ciclovias e praças públicas?
* Estão sendo priorizados os meios de transporte não motorizados? Os riscos para os pedestres aumentarão? Haverá redutores de velocidade?
* Haverá impacto sobre a expansão urbana na região próxima à avenida duplicada?
* Como serão atendidas as demandas das populações locais?
* Foi estimado o acréscimo de poluição do ar, a poluição visual, a poluição acústica, decorrente do aumento do tráfego dos veículos motorizados?
* Existem licenças ambientais, como o EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança), para a Duplicação da via nos trechos em execução?
5. O traçado Geométrico da avenida atual margeia por longo trecho, o limite do aterro da Baia norte, desde o Terminal Rita Maria, passando sob a Ponte Hercílio Luz, margeia o aterro da Beira Mar Norte, corta a Ponta do Coral, a Ponta do Lessa, todo o Manguezal do Itacorubi, até a Universidade Federal.
* Como será a duplicação junto à Ponte Hercílio Luz?
* O projeto da Duplicação propõe avançar sobre as reservas ambientais do Manguezal do Itacorubi? Há estudo de impacto ambiental sobre o manguezal?
* O projeto propõe avançar sobre a Ponta do Coral?
* Serão utilizados ou preservados os jardins e a arborização existentes no eixo central da avenida e ao longo da avenida?
* Há projeto de mitigação de prejuízos ambientais?
6. Informações publicadas pela imprensa se referem à implantação de faixa exclusiva para ônibus em todo o Anel Viário do Morro da Cruz.
* Onde se localizará esta faixa exclusiva para o transporte público? Nas laterais da avenida ou no canteiro central? Há estudos de interligação modal e com o sistema viário nestas duas opções?
* Será executada faixa exclusiva para BRT ou compartilhada com outras linhas de ônibus, ambulâncias, bombeiros, taxis, etc?
* Esta faixa exclusiva de ônibus, seja nas laterais ou junto ao canteiro central,utilizará uma das faixas de rolamento existentepara automóveis?
* Prevê-se avançar sobre terrenos da UFSC no trecho entre a Av. Madre Benvenuta e o trevo da D. Benta?
* Como serão solucionadas as interferências previsíveis ao longo da avenida? Exemplo: Titri, Viaduto do CIC, trevos da UFSC e Avenida Madre Benvenuta.
* Estudaram-se propostas alternativas à passagem do transporte público, como as ruas Mauro Ramos, Lauro Linhares, Delminda da Silveira, Othon Gama D`Eça, etc, ruas que poderiam propiciar melhores resultados para a demanda pública de passageiros? Foram feitos estudos de demanda comparativos?
* Como estão sendo projetadas as paradas, estações de pré-embarque e conexões do BRT (se houver) com os outros modais de transportes? Exemplos: conexão com automóveis particulares (exigem bolsões de estacionamento), com outras linhas de ônibus(exigem estações de pré-embarque), com bicicletas (exigem ciclovias e bicicletários e outros acessórios), com pedestres (exigem acessibilidade, comunicação, sinalização, proteção contra sol, chuva, segurança, conforto).
* Serão atendidas, em todo o trajeto do Anel Viário, as necessidades especiais da população, como passarelas elevadas, substituição de passarelas elevadas desconformes com a l egislação, faixas elevadas em nível das calçadas (resolução n° 495 , de 5 de junho de 2014-CONTRAN), sinalização e semáforos de pedestres, passeios com dimensões normatizadas, conforto de pavimentação e segurança, iluminação pública, arborização e ajardinamento?
* Qual a velocidade máxima prevista para o tráfego de veículos?
* Quantas e de quais tipos serão as paradas de ônibus e onde elas estarão localizadas? Como será o acesso de pedestres às paradas?
7. A Prefeitura Municipal vem divulgando que poderá aprovar o licenciamento da construção de um mega-hotel na Ponta do Coral. Este projeto de hoteltem sido combatido há mais de 20 anos por diversos setores da sociedade e mais recentemente pelo Movimento Ponta do Coral 100% Publica e pelo Movimento Parque das Três Pontas, como extremamente danoso ao patrimônio público, enquanto última área verde da região, danoso ao meio ambiente, à paisagem urbana e à acessibilidade à orla marítima. É necessário que se faça ainda uma avaliação precisa do impacto da construção do hotel em relação à mobilidade urbana da cidade. Calcula-se que o número de pessoas que podem acessar o hotel, enquanto hóspedes, empregados, visitantes e convidados a eventos pode alcançar mais de 1300 pessoas, numa estimativa otimista de 420 hóspedes, 500 participantes de eventos, 100 pessoas no restaurante, 50 visitantes, 200 funcionários. Então perguntamos:
* Como o projeto duplicação da avenida pretende resolver o impacto de centenas de automóveis acessando o hotel em dias de eventos?
* Como será o acesso de veículos ao hotel, caso o corredor de ônibus seja alocado nas laterais da avenida, na medida em que os veículos particulares precisarão cruzar o corredor de ônibus, a ciclovia e a calçada?
* Caso o hotel seja licenciado para construção, desde já alertamos que isto seria uma grande temeridade do ponto de vista da mobilidade da região e uma irresponsabilidade do poder público por não prever o impacto do fluxo de veículos que deverão acessar o hotel em dias de eventos. Em uma análise aproximada, é possível afirmar que seria formada, nestes dias de eventos, uma fila quilométrica de automóveis, taxis, ônibus de turismo e hóspedes (2 a 3 km de fila), provocando um congestionando ainda maiordas pistas existentes na avenida, com repercussão até no tráfego da própria SC401 (nosso cálculo levou em conta uma proporção de 1 carro para cada 3 pessoas que se dirigem ao hotel, ocupando de 6 a 7m por carro em uma das pistas da avenida). O projeto já previu isto?
* Da mesma forma, um parecer elaborado pelo Colegiado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, também prevê que haverá um impacto de veículos que se espalharão ao longo da Beira Mar Norte, chegando até a Avenida da Saudade. Considerando as 600 vagas de estacionamento para usuários e visitantes do centro de eventos do hotel, haverá esta externalidade no sistema viário, para além do terreno alodial deste empreendimento, o que interfere no espaço público, piorando ainda mais as condições atuais do trânsito na Beira Mar Norte, e retirando espaço desta avenida. Isto ocasionará, somente neste empreendimento, congestionamentos previsíveis, que a cidade se ressentirá naquele trecho especificamente, mas com repercussão também em outros setores da cidade, como a região das pontes, da SC 401 e as vias que dão acesso à UFSC e bairros vizinhos.
* Como será o acesso para lazer de pedestres, ciclistas, cadeirantes, deficientes visuais, idosos e crianças, que se dirigem à Ponta do Coral? Como a população dos bairros vizinhos irá atravessar a via?
8. Finalmente, queremos considerar as implicações para a expansão urbana decorrente da duplicação da avenida, levantando o seguinte questionamento.
* Como a obra em curso, de abertura da marginal, integra-se ao projeto do anel viário de transporte público?
* Em função da possível implantação do sistema BRT na região, pode-se prever um grande crescimento populacional na região da Agronômica e bairros da Bacia do Itacorubi. Foram realizados estudos sobre as transformações do uso do solo, sobre as necessidades de renovação da infraestrutura urbana, sobre as tendências no custo dos imóveis e exclusão das populações mais carentes que vivem nos morros próximos?
* O Plano Diretor da cidade contempla a implantação deste novo eixo de mobilidade, para efeito de regulação do crescimento urbano e da mobilidade da região da Bacia do Itacorubi?
* Há previsão do impacto ambiental deste crescimento urbano? Há solução para o sistema de esgoto? Para abastecimento de água?
* Sabe-se que,ao ser implantada esta via de passagem, de trânsito rápido e pesado, um eixo viário que ligará o Norte aoSul da Ilha, o Leste ao Oeste da cidade,as populações dos bairros do Pantanal e de outros bairros da Bacia do Itacorubi, sofrerão com agrave transformação em sua estrutura econômica, social e cultural. O projeto do Anel Viário tem estudos para avaliar estes impactos?
* Inúmeros outros problemas e impactos são conhecidos, mas não cabe neste documento especificarmos cada um deles individualmente. Fica porem a pergunta: o planejamento da cidade como um todo, está sendo tratado de forma consciente e responsável, tomando, por princípio, a necessidade de sua humanização e sustentabilidade e, mais que tudo, respeitando a participação social
À GUISA DE CONCLUSÃO – POSIÇÃO DO GEMURB:
Entendemos que diversos princípios legais estão sendo vilipendiados pelo poder público ao negar acesso à informação sobre o que está sendo proposto, ao negar o debate com a população respondendo quase sempre de maneira sucinta, evasiva, distorcida aos requerimentos da sociedade, até mesmo, a órgãos oficiais, como pedidos de informações e esclarecimentos requeridos pelo poder legislativo municipal.
Os questionamentos acima apresentados suscitam a Prefeitura Municipal, antes de tudo, a chamar a população para, em Audiência Pública, explicitar ponto a ponto, esses e outros questionamentos que se apresentarem.
O GEMURB destaca que como preconiza o próprio Estatuto da Cidade toda a ação pública deve ser apoiada em ampla divulgação e num efetivo processo participativo.
Entendemos ainda que sem responder a contento os diversos pontos levantados sobre o Anel Viário no presente Parecer, seria uma leviandade a liberação, pelo
Poder Público, do empreendimento hoteleiro previsto para a importante área da Cidade que é a Ponta do Coral.
Florianópolis, 15 de maio de 2015.
GEMURB
Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Centro Tecnológico, UFSC.
(Ilustrações Eduardo Souza)